Traços de oralidade misturados a termos da linguagem culta. Incorreções ortográficas, sintáticas ou de pontuação. Selo editorial desconhecido. Textos com pelo menos uma dessas características provavelmente não seriam escolhidos por você para trabalhar literatura com os alunos, certo? E se os autores de produções com alguns ou todos esses pontos, embora desconhecidos, fossem referendados por especialistas como donos de um estilo literário próprio e relevante?
Se você está pensando que elogios e referências desse tipo são capazes de fazer qualquer um mudar de opinião, inclua na sua lista de autores admiráveis Ferrez, Sergio Vaz, Sacolinha, Alan da Rosa, Dinha e Rose da Coperifa. E seja bem-vindo ao universo da literatura marginal, movimento que atualmente reúne autores que têm berço nas periferias brasileiras, escrevem sobre temáticas diversas e se mantêm distantes das normas cultas propositalmente. "Por causa dessas características, não faz sentido avaliar toda e qualquer composição seguindo os critérios pertinentes à criação erudita", explica Heloisa Buarque de Hollanda, coordenadora do projeto Universidade das Quebradas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). São atitudes como essa, inclusive, que fazem a escola estigmatizar o gosto das pessoas e restringir o rol de leitura da moçada. "Não se trata de abandonar o estudo literário canônico, mas garantir espaço para outros", pontua Márcia Abreu no livro Cultura Letrada - Literatura e Leitura.
A literatura marginal tem como característica a pluralidade, inclusive ao que se refere à gama de definições (leia na ilustração desta reportagem algumas delas). Ela não deve ser, por exemplo, tachada simplesmente de violenta ou de retrato da pobreza e da marginalidade, como costuma ocorrer. Esses temas fazem parte de seu repertório, mas não são os únicos. Cátia Cernov, no recém-lançado Amazônia em Chamas, por exemplo, reúne contos sobre ecologia. Rodrigo Ciríaco, em Te Pego Lá Fora, aborda o cotidiano escolar. Heloisa explica que, no início de carreira, os escritores marginais tendem a falar mais sobre sua realidade, a respeito do "próprio CEP", como eles mesmos definem. Mas muitos abordam outros temas depois.
Para compreender o movimento, é importante saber que ele, na década de 1970, tinha motivações diferentes. De acordo com Heloisa, os autores daquela época, entre outras características, tinham por princípio fazer os próprios livros, o que nem sempre ocorre atualmente. "Era um movimento da contracultura e feito pela classe média", ela define.
terça-feira, 26 de outubro de 2010
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